Rota do Pão e Vinho, uma estrada para o futuro
Municípios buscam recursos para pavimentar 31 quilômetros entre Anta Gorda e Roca Sales. Orçamento se aproxima de R$ 170 milhões. Com a obra pronta, Amat projeta movimentar R$ 120 milhões por ano no turismo regional. O A Hora percorreu o trecho e identificou potencialidades e desafios

Potencializar a economia regional, impulsionar o turismo e garantir maior segurança em situações de eventos climáticos. Os três pilares norteiam a mobilização da Associação dos Municípios do Alto Taquari (Amat) para sensibilizar o governo do Estado a custear a conclusão da pavimentação da Rota do Pão e Vinho. O orçamento total se aproxima dos R$ 170 milhões e a ideia é viabilizar o recurso via Fundo Rio Grande (Funrigs). O prazo para a conclusão da obra é de 24 meses.
A estrada conecta o Vale do Taquari ao Vale dos Vinhedos, na serra gaúcha. A prioridade é asfaltar 38,1 quilômetros do percurso que cruza o interior dos municípios de Anta Gorda, Doutor Ricardo, Encantado, Muçum e Roca Sales e, assim, garantir a ligação com os trechos já pavimentados em Muçum e Santa Tereza, além de parte do território roca-salense e de Encantado.
A pauta ganhou força após as históricas enchentes de 2023 e 2024 e uniu os gestores a favor da retomada do projeto, sobretudo por ser considerada obra de resiliência, comenta o presidente da Amat e prefeito de Muçum, Mateus Trojan. “Além de ser um novo elo estratégico com a serra, a Pão e Vinho também é alternativa de caminho em situações climáticas extremas que possam voltar a acontecer”, observa. “É o momento. Temos recursos no estado para fazer uma obra desse tamanho, por tudo o que aconteceu e pela necessidade de nos reerguermos”.
O projeto de engenharia está em análise técnica pelo Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer). O documento detalha as particularidades, demandas e prioridades dos cinco municípios envolvidos. “A rota simboliza o esforço coletivo pela reconstrução e pelo fortalecimento da infraestrutura regional”, admite o secretário estadual de Logística e Transportes, Juvir Costella.
O acesso à Vila Borghetto, próximo ao pórtico da cidade, é o ponto de partida da Rota do Pão e Vinho em Anta Gorda. A estrada cruza por cinco comunidades até chegar à divisa com Doutor Ricardo. Cerca de três quilômetros têm pavimentação asfáltica e calçamento, obras executadas com verbas municipais. “É uma região forte na atividade primária, principalmente na produção de aves, suínos, tabaco e erva-mate”, diz o prefeito Francisco Frighetto.
Na Linha Quinta, a Dália Alimentos opera um dos nove condomínios que integram o projeto Frango de Corte da cooperativa no Estado. A granja tem capacidade para abrigar 280 mil aves e a expectativa do presidente do conselho de administração, Gilberto Piccinini, é reduzir os custos de produção a partir da pavimentação. “Hoje, os caminhões se deslocam até Anta Gorda pela ERS 332. Com a rota, vai encurtar a distância em cerca de 50 quilômetros até a granja”, ressalta. Propriedades particulares também ocupam as margens da estrada na área anta-gordense, com destaque para empreendimentos que abrigam dez mil suínos e 200 mil aves, além de extensas áreas destinadas ao cultivo agrícola.
Marcas da catástrofe de maio de 2024 ainda são visíveis na região montanhosa da Barra do Zeferino, interior de Doutor Ricardo, onde os deslizamentos e os transtornos provocados pela elevação do Rio Guaporé e do Arroio Zeferino isolaram moradores. Hoje, a estrada principal está liberada para o tráfego de veículos e nova rede de energia elétrica foi instalada. No centro da comunidade, a nova pinguela sobre o Rio Guaporé, na divisa com Vespasiano Corrêa, foi construída. Morador do local, o comerciante Noeli Dalmagro, 56, tenta se reerguer após perder a casa e a bodega, tradicional ponto de fabricação e comércio de cachaça de alambique. “Passa bastante carro e caminhão nessa estrada. Recebia muitos clientes de Bento Gonçalves e Garibaldi. Agora, infelizmente, parou”, lamenta.
O primeiro convênio de pavimentação da Pão e Vinho foi assinado pelo governo do Estado em 2021 e garantiu R$ 10,8 milhões para três municípios. Os trechos de Santa Tereza (3,2km) e Muçum (1,3km) foram concluídos, enquanto Roca Sales asfaltou 1,6 quilômetro. Recentemente, o Daer autorizou a segunda etapa de obras na localidade de Moriggi, com extensão de 2,8 quilômetros na direção de Violanda. As enchentes e os deslizamentos exigem intervenções mais robustas, alerta o prefeito Jones Wünsch, o Mazinho. “Essa região de Roca Sales é linda, alta, com potencial para a fruticultura. Com a rota, quem tem propriedade vai poder investir. O asfalto trará outra realidade”, acredita.
Impacto milionário no turismo
Paisagens rurais exuberantes, vista privilegiada de viadutos e túneis da ferrovia do trigo e a experiência de fazer o trajeto costeando os rios Guaporé e Taquari. São cenas que chamam a atenção de quem percorre a Rota do Pão e Vinho e potencializam a estrada a se transformar em estratégico corredor turístico entre os vales e a serra.
Estudo da Amat estima um acréscimo de 300 mil novos turistas por ano na região com a obra concluída. A projeção é de um impacto econômico superior a R$ 120 milhões anuais. O volume, segundo a própria entidade, é suficiente para cobrir os custos da obra em menos de dois anos de operação turística.
O Cristo Protetor de Encantado consolidou o turismo como vetor econômico e ampliou a visibilidade dos demais atrativos. Atualmente, são mais de 400 empreendimentos ativos nos vales, entre vinícolas, agroindústrias familiares, pousadas, restaurantes e roteiros rurais. “A integração com a serra construirá um roteiro convidativo para ser ofertado em outros estados e até fora do país”, salienta o presidente da Associação dos Municípios de Turismo da Região dos Vales (Amturvales), Rafael Fontana. “É a oportunidade para aproximarmos nossa região com Gramado e Canela”, acrescenta o prefeito de Encantado, Jonas Calvi.
A reconstrução da ponte Brochado da Rocha sobre o Rio Taquari, na divisa entre Muçum e Roca Sales, foi fundamental para a continuidade da Rota do Pão e Vinho. O novo projeto apresentado pela Amat modificou parte do traçado, com o asfaltamento do trecho na direção do Pinheirinho, logo após a saída da ponte (à direita no sentido Muçum-Roca), a fim de facilitar a movimentação de veículos pesados. “É uma obra essencial. As pessoas não têm ideia da quantidade de veículos que passam por aqui, principalmente, aos finais de semana”, diz Veridiana Stieven, proprietária de uma tradicional cafeteria em Muçum.
Anta Gorda conta com três locais que atraem turistas às margens da rota: o centenário Moinho Dallé, a Vinícola Parisotto e a casa de imigrantes italianos onde São João Batista Scalabrini pernoitou em 1904, após celebrar uma missa na localidade conhecida como Monte Grappa. “Vem bastante gente para visitar e conhecer essas histórias antigas. Embora não tenha estrutura para receber turistas, procuro preservar o que os bisavós deixaram”, conta Francisco Spadini, 62, morador da propriedade.
Fonte: Grupo A Hora